Qual o significado de Unsui? (1)

julho 22, 2013 às 6:17 pm | Publicado em Blogroll, Meditação em Porto Alegre, Prática Zen Budista, Qual o Significado, Zen Budismo em Porto Alegre | 1 Comentário
Ryûshin-san, Monja Coen e Monja Kokai no Zendo Brasil - julho 2013

Ryûshin-san, Monja Coen e Monja Kokai no Zendo Brasil – julho 2013

Historicamente, o termo unsui (雲水, nuvem-água) refere-se a um noviço ou monge-aprendiz que andava em peregrinação de um mestre a outro (angya 行脚), treinando, questionando e aprendendo. Naturalmente, ele tinha seu professor de ordenação, que supervisionava este processo e que, geralmente, indicava o próximo lugar onde o unsui devia ir praticar. O seu mestre de transmissão de darma, no fim, podia ser o seu mestre inicial de ordenação ou um outro mestre que ele chegou a encontrar durante sua peregrinação e com quem havia uma forte afinidade mútua.

Ouvi, recentemente, num podcast na Internet, um comentário de um norte-americano dizendo que um dos motivos de um suposto declínio no budismo japonês teria sido o fato que a maioria dos monges fazem quase todo o seu treinamento com um único professor, frequentemente o seu pai, não mantendo mais a tradição de angya, não mais fazendo peregrinação de um mestre para outro durante o seu treinamento.

Pessoalmente, não adiciono a minha voz a este tipo de crítica de uma suposta “degeneração” do budismo japonês, pois, como Ocidental, não me sinto qualificada para fazer tais julgamentos. Cada geração de religiosos tende a considerar a sua própria época como um período de “degeneração”, o que, para aquelas pessoas DENTRO de uma tradição ou cultura, pode representar uma crítica saudável – mas, acho que nós, Ocidentais, olhando do ponto de vista DE FORA (mesmo sendo Zen Budistas), não podemos falar em “degeneração” do budismo de um outro país/cultura. No máximo, podemos levantar questionamentos, mas não podemos impor os nossos valores e julgamentos ocidentais sobre as outras culturas.

Assistimos, sim, nos países “desenvolvidos” (incluindo o Japão), uma crescente secularização, com muitas pessoas abandonando a “religião”. Esta secularização não significa “degeneração”.

Tenho encontrado um bom número de monges e monjas japoneses – alguns deles “filhos de templo” (o pai é monge) – e, pessoalmente, não tenho visto esta tal de “degeneração”. Pelo contrário, tenho visto muita dedicação, boa vontade e desejo de servir à comunidade. Considerando o fato que um “monge” continua sendo um ser humano produto de sua própria cultura, sei que nem todos os monges são seres “iluminados” e alguns (poucos) nem são “bons monges”. Alguns poucos, como em qualquer religião ou país, se metem em encrenca e fazem coisas que não deviam fazer. Tenho certeza que são uma minoria absoluta – e, até hoje, não encontrei nenhum destes “monges ruins” japoneses. O próprio “sistema” institucional procura controlar e minimizar os desvios de conduta – e procura garantir um nível de qualidade de treinamento antes de dar o reconhecimento de formação como monge plenamente formado ou conceder licenciamento como Professor de Darma.

São poucos os ocidentais que conhecem como funciona o treinamento de um monge no Japão. O simples fato de ter treinando algum tempinho (três meses – a duração de um visto de turista, por exemplo) num mosteiro japonês não o qualifica para compreender o sistema, especialmente se não fala a língua.

Poucas pessoas sabem que a grande maioria dos monges japoneses possuem, além de seu treinamento monástico, formação universitária – frequentemente em Estudos Budistas. Um templo “comum” recebe as visitas de outros Professores de Darma – tanto para ministrar palestras quanto para que ajudem – ou até oficiem – nas cerimônias formais como Obon e O-higan. Assim, mesmo que treine com o pai, o unsui japonês tem muito contato com outros monges-professores do darma.

Mais ainda, os mosteiros de treinamento oficial precisam cumprir com determinados requisitos para serem reconhecidos oficialmente. Os requisitos incluem pontos como o número e graduação dos professores, o número mínimo de unsui em treinamento, o currículo do treinamento e as instalações físicas. Passam por inspeções regulares  (não me esqueço de quando houve inspeção no mosteiro feminino onde treinei).

Lembro-me também que, durante o meu treinamento no Templo Busshinji de São Paulo, além da Monja Coen (minha professora de ordenação), havia outros professores qualificados – o Shozan Sensei e Tachibana Sensei e outros ‘sempais’ (veteranos). Aprendi com todos eles. Sou extremamente grata à Monja Coen por tudo que ela me ensinou – e também grata aos outros Professores de Darma que estavam lá me ensinando, no início da minha jornada.

No mosteiro, além da abadessa Aoyama Roshi, tivemos vários professoras e professores, algo entre 12 e 15 no total. Um grupo de cinco professoras – todas de linhagens diferentes – se revezavam em pernoitar conosco e, assim, podíamos conversar e trocar de ideias com elas.

Estas experiências me levaram a discordar com aquilo que vejo acontecendo muitas vezes aqui no ocidente, onde a grande maioria treina com somente um único professor de darma, ou num único local onde todos os professores são daquela mesma linhagem, sem experiência com professores de outras linhagens – ou até de outras escolas de budismo.

Por este motivo, resolvi procurar oferecer o máximo possível da experiência de angya aos meus alunos monásticos.  Já temos por costume procurar sempre enviar praticantes da nossa Sanga para os retiros no Templo Busshinji, a nossa sede para América do Sul, atualmente com o Mestre Saikawa Roshi como Sokan (superintendente). Vejo que isto tem beneficiado e fortalecido a nossa sanga. Acredito que todas as sangas brasileiras deveriam cultivar este mesmo costume de enviar representantes para os retiros na sede brasileira da nossa escola, em lugar de se isolarem, independentes, separadas umas das outras, mas não posso mudar o mundo. No caso dos alunos monásticos, além das práticas no Busshinji, pretendo enviá-los para períodos de prática com os vários professores qualificados que temos neste país.

Assim, acabo de enviar o noviço Ryûshin-san para o retiro de treinamento da Monja Coen no Zendo Brasil, o que foi muito bom para ele – e, espero eu, também muito bom para o relacionamento entre as nossas sangas. Agradeço muito a acolhida que ele recebeu e mando lembranças para os meus amigos dos meus próprios tempos lá.

Só senti muito que houve conflito com as datas dos retiros do Zendo Brasil e do Busshinji, pois, desta forma, não pude enviar ele para o retiro de Busshinji também. Tão perto e tão longe – uma pena…

Deixo aqui registrado a minha profunda gratidão à Monja Coen por ter aceito ele como “neto no Darma” e pelo treinamento que ele pôde receber no Zendo Brasil. Também agradeço a Sanga do Zendo Brasil, seus sempais e monges-em-treinamento, muitos deles amigos meus do meu tempo de prática no Zendo Brasil, pela acolhida e solidariedade que ofereceram ao “primo”.

Ler: Qual o significado de Unsui (2)?

Ler mais:
Sensei
– A Ordem Monástica da Escola Soto Shu
Formação de um monge Soto Zen
Qual o significado de Kokusai Fukyôshi (Missionário Internacional)?
Qual o significado de Unsui (2)?
Qual o significado de Kyôshi (Professor de Darma)?
Qual o significado de Zuise (Debut)?
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Qual o Significado de Hossenshiki (Combate de Darma)?
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Qual o Significado de Shukke Tokudo (Ordenação Monástica)?
Ordenação Monástica
– Ordenação Unsui em Florianópolis
Qual o Significado de Jukai (Transmissão dos Preceitos)?
– Os Preceitos do Bodisatva

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